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Havia uma prática famosa na psicanálise (inglesa particularmente), sem dúvida inspirada em Freud, e que hoje parece estar fora de moda, que consistia na publicação de relatos detalhados de análises, especialmente de crianças, praticamente sessão por sessão, que incluíam os movimentos e falas do sujeito e as intervenções do analista. Tais casos se tornaram paradigmáticos, isto é, adquiriram mesmo o valor de 'caso clínico': Dominique, Piggle, Robert - o menino lobo, dentre outros.
Frances Tustin se inscreve nesta tradição com o relato do tratamento de uma criança diagnosticada como autista - John.
Nem uma década havia passado depois da descrição desta síndrome por Léo Kanner, em 1943, quando Tustin iniciou, em 1951, o tratamento de John. A publicação dos principais trabalhos psicanalíticos de Margareth Mahler e Winnicott sobre o autismo e as psicoses na infância só apareceram anos depois desse tratamento ter terminado. Tustin ressalta que, por isso, não pôde agarrar-se a idéias pré-concebidas para lidar com este tipo de crianças. Talvez por isso tenha "se deixado levar pela mesma onda que John" , como ela diz, o que resultou, conforme veremos, num cuidado em acompanhar, passo a passo com ele, seus confrontos com o mundo dos objetos, com o Outro e com o Real. Tustin parece ter tido êxito em levar a cabo uma recomendação de Freud: tratar cada psicanálise como se fosse a primeira.
Além disso, como com outros autores que se dispuseram a este tipo de trabalho, em Tustin podemos notar como a teorização que fez sobre o caso fica aquém daquilo que, com suas intervenções e por sua posição ali, ela de fato pôde fazer. Este caso mostra como o que praticava em sua clínica - neste atendimento particularmente - excedeu em muito o que ela conseguiu teorizar. Este talvez seja o grande mérito desses relatos clínicos: poder ver como e se uma psicanálise se fez.
O que me interessou neste caso de Tustin, também trabalhado pelos integrantes de um Núcleo de Pesquisa do ceppac sobre o Autismo e a Psicose nas Crianças (com Cristina Duba e Jeanne Ribeiro em 94), foi saber o quê em suas interpretações - numerosas, pontuando quase que cada movimento de John (longe, contudo, de serem o que poderíamos chamar de "interpretações selvagens") - provocou a fala deste sujeito, além de saber como um analista pode trabalhar com o autismo. Nessa nossa pesquisa tentamos não nos deter numa teorização específica sobre o autismo, do ponto de vista psicanalítico, mas partimos da clínica com estas crianças para interrogar as teorias. Não há, até hoje, UMA teoria consagrada sobre o autismo em psicanálise: há os que consideram o autismo como algo fora de qualquer estrutura, como uma quarta estrutura ( além da neurose, psicose, e perversão), e os que a localizam na estrutura psicótica.
É preciso dizer também que o que chamei, no título, de a "saída do autismo" está circunscrita aos resultados das intervenções do analista, e ao fato dessas crianças começarem a falar, a abrirem mão dos ditos comportamentos autistas.
O que é que dá chances para que um sujeito autista possa usar a palavra, entrar no discurso, fazer laço, uma vez que o que define esta síndrome, ao menos para a psiquiatria, é a própria inexistência de laços? O que possibilitou a fala de John? O que terá provocado a emergência de um sujeito diferente de seu "autismo"?
Antes de passar ao caso, queria ressaltar dois pontos básicos, aparentemente óbvios para o psicanalista, mas que é sempre bom recolocar. O primeiro, é o de considerar o chamado "autista" um sujeito - quer a criança tenha danos cerebrais, genéticos ou qualquer outro "fator orgânico", causas do autismo segundo certas correntes médico-psiquiátricas. É com sujeitos que trabalhamos. O segundo, diz respeito ao diagnóstico do autismo. Tradicionalmente é um diagnóstico psiquiátrico. Para a psicanálise o diagnóstico é feito sob transferência, incluindo o analista e será, portanto, no desdobramento da transferência que ele se evidenciará. Se levarmos isto às últimas consequências, na verdade não poderíamos fazer corresponder a priori uma psicose para cada criança diagnosticada previamente como autista, a não ser, então, que a psicose se revele no decorrer da análise. Penso que há que se ter um certo cuidado quando recebemos uma criança com este diagnóstico em não partilharmos dele imediatamente. Um exemplo disso é o de uma criança, que tratei quando já tinha onze anos, cuja mãe conta que aos dez meses era apática a qualquer contato, parecia querer sempre ficar só, e se a deixassem ficava se balançando por muito tempo sem fazer qualquer outra coisa. Enfim, tinha atitudes que facilmente seriam descritas como tipicamente autistas. Quando os pais perceberam isso - o que nesse caso, por circunstâncias específicas, quer dizer que de fato notaram sua presença, a perceberam - levaram-na a um médico que pôde, literalmente, intervir de modo feliz em seu destino. Ele disse aos pais simplesmente que lhe dessem mais atenção, insistissem num contato, numa ligação com ela. Pouco depois ela já era uma criança como as outras. Aos onze anos, ela mesma quis ir a um analista por se incomodar com seus sintomas obsessivos.
Casos como esses, assinalam, a meu ver, a impropriedade em fazer equivaler, a priori, autismo e psicose. Até porque, casos assim, dessas palavras que salvam de um destino que "teria sido" o de um autismo, proferidas por alguém, objeto de transferência, são inúmeros nessa literatura. Para uma melhor compreensão do que é o autismo para a psicanálise, também e principalmente, dever-se-ia optar por proceder segundo o rigor da pesquisa freudiana, ou seja, parafraseando Freud, na ausência completa de uma "teoria" sobre o autismo em psicanálise, "nos é imposto, fazer primeiro a prova de não importa qual hipótese, sustentando-a com consequência até que ela se subtraia ou se verifique". 1
Até então, penso que estaríamos diante de uma resposta primária e radical do sujeito frente ao que é insuportável para todos - o encontro com a falta do Outro. O caráter radical do recurso autista, vamos então chamá-lo assim, é bem evidente por conta do mutismo ou da ecolalia, dos comportamentos estereotipados, com todos os tipos de problemas que trazem para a clínica. Ou antes, mais que problemas, o autismo abre, destampa violentamente inúmeras questões sobre a prática analítica, a teoria psicanalítica, a posição do analista, sua própria análise, já que estamos diante de um sujeito que não fala, ou que repete o que você acabou de dizer (às vezes com a mesma entonação), no mínimo afrontando a regra fundamental - a associação livre. Mas estes são fenômenos que, se forem simplesmente tomados como tais, não esgotarão nem tampouco farão avançar as questões que colocam. Até porque, quanto à regra fundamental, no que tange à prática da psicanálise com crianças, sabemos que a associação, onde aparece a posição que aquele sujeito tem na vida e por onde também pode vir a se retificar, ela pode se dar através dos desenhos, das brincadeiras, das regras inventadas...
Portanto, se estas crianças não falam, ou apresentam uma linguagem ecolálica, isto não chega a constituir um impedimento completo nem para a associação, nem para o estabelecimento da transferência. Quando estão ali um analista e um sujeito - autista que seja - o "tom" próprio daquele sujeito tende a aparecer, dando testemunho de como ele interpretou uma intervenção do analista, acusando do outro lado a recepção da mensagem. É o caso, por exemplo, de uma criança que atendo. Quando, numa dada sessão, digo a ela que não poderia naquele dia sentar-me no chão com ela por estar com dor nas costas, ela repete num tom de escárnio, fazendo uma voz fininha: "tô com dor nas costas...".
No decurso da análise, o que estou chamando de recursos autistas irão falhar, como sempre falham, podendo vir a convocar outros recursos, como ocorre em qualquer análise.
Penso que para a análise com estas crianças poder se dar deve-se tentar escutar o sujeito a partir de sua divisão e sustentar com eles essa divisão e o mal-estar que acarreta. A questão que aparece aí é que a divisão e o mal-estar são, de fato, muitas vezes vividos como catástrofes para o sujeito, que podem fazê-los recorrer, novamente, ao autismo. Mas na aposta da psicanálise isso está incluído, e certamente são nesses momentos que o desejo do analista tem de estar bem 'vivo', digamos assim.
Há fatores bastante comuns nos casos que marcharam para o autismo: mães que se queixam da falta de alguém que as orientem e as apoiem com relação aos cuidados com o filho; traços de um luto mal empreendido da experiência de separação no parto, ou da perda de pessoas importantes para a mãe; parentes que teriam prejudicado a confiança da mãe em poder cuidar do filho, por exemplo. Juntando-se a isto a fenomenologia, também comum, dos comportamentos dessas crianças vê-se como disto tudo só poderia resultar nessa descrição sindrômica, o autismo.
Contudo, se estas situações são comuns a estes casos, elas não são, por outro lado, de modo algum incomuns em várias histórias de crianças que não são autistas. Tais circunstâncias, obviamente, não levam necessariamente ao autismo. Tustin mesmo afirma que "para o autismo se desenvolver precisa ocorrer uma concatenação especial de circunstâncias": as externas, que presidiram o nascimento da criança e o tipo de relação que a mãe pode estabelecer com seu filho, e o modo específico daquela criança responder a tudo isto. Em outros termos, há o que o Outro pode oferecer a criança mas há também a escolha do sujeito. Tustin não se contenta ainda em afirmar o autismo em termos de quantidade, qualidade, força ou desequilíbrio entre pulsões agressivas e integradoras. Para ela, seria mais uma questão da resposta que aquele sujeito pôde dar.
Tustin dá exemplos de crianças, tratadas por ela ou não, que "saíram" do autismo, e que puderam falar daquele período: como "um habitat à prova de choque", "uma época de terror", etc...
Vou retomar alguns fragmentos do caso John, nos momentos em que ele fala, tentando pensar o que teria funcionado nas intervenções do analista de modo a que John pudesse construir outras respostas, saindo do autismo.
Aos quatro anos ele chega a Tustin, e se comportava como se ela não existisse, diz ela, ao mesmo tempo em que pegava sua mão para fazer girar um pião. Enquanto o pião girava, John girava seu pênis através das calças, e a outra mão passava em torno da boca. Isto sugere a Tustin que John fazia pouca diferença entre os movimentos do pião - tomemos aqui como o outro - e os de seu próprio corpo, e por isso ela deveria trabalhar interpretativamente a fim de que ele pudesse vir a distinguir o outro de suas ilusões primitivas de não-diferenciação.
A primeira interpretação de Tustin incide justamente nisso: John não queria fazer diferença entre ele e o outro, porque assim ele poderia sentir que estavam sempre juntos. Ele então pega uma 'boneca-mãe' e a atira no chão dizendo: "embora" ("morta", na última versão do caso 2). Para Tustin, este é o primórdio da "desilusão": ele constata a possibilidade de o outro ser "embora". Ao enunciar que John não quer se diferenciar, ele responde que há nisto tudo um "embora", que algo nesse não-se-separar, querer estar sempre junto não funciona, não cola. Tustin o acompanha, incluindo na interpretação seguinte esse "embora", incluindo que ela viu que ele sabe desse "embora" como "não colar mais". E a partir daí, ela vai continuar apontando e considerando essa "desilusão", esse "embora", e os efeitos que isto tem para John. Um mês depois, ele tenta novamente fazer girar o pião, mas em cima de um tapete felpudo, e por isso não consegue. Com raiva, joga o pião para cima, que quando cai parte-se em dois. Chocado, ele diz: "Quebrado!, Oh, dear" (expressão que, em inglês, tem o sentido pesaroso do nosso "Oh, vida!", por exemplo. Porém, 'dear' também quer dizer "querido"), e leva o resto da sessão a tentar consertá-lo desesperadamente. Sobre este momento, curiosamente, ela não relata nenhuma interpretação.
Este episódio desencadeia um período confuso, onde ele tentava controlar objetos e pessoas, fazer "com que se comportassem contrariamente a sua natureza", manipulando tudo como se fosse parte de seu próprio corpo.
John retorna, depois de umas férias, e observa-se que os comportamentos do período anterior haviam cessado, dando lugar ao hábito obsessivo de bater no botão de uma almofada e dizer: "papai, papai". Seu pai estava viajando, e surgira um brinquedo importante, o "pai-ônibus-vermelho". Cenas de raiva, como a que fez o pião quebrar, repetiam-se ainda. E quando o pai-ônibus-vermelho também se quebrou ele usou, pela primeira vez o pronome "eu": "Eu conserto ele, eu conserto ele!", repetia ansioso, do mesmo modo como quando viu o pai tropeçar nas escadas, quando o deixara no consultório para aquela sessão. Neste dia, quando viu que era a mãe, e não o pai que viera buscá-lo, ele diz: "Papai embora! Papai quebrado!". Naquela mesma noite começou um período de terrores noturnos, quando chorava convulsivamente e dizia: "Não quero ele! Caiu! Botão quebrado! Não deixa ele bater! Não deixa ele morder!". É curioso notar John reagindo desse modo à "desilusão" (nos termos de Tustin), e não 'recaindo' no autismo. Ele responde à angústia com uma espécie de fobia, e não o isolamento e o mutismo.
Um último fragmento. John tinha visto um bebê mamando no seio, e demonstrou grande interesse. Na sessão, com os lápis, fez uma cruz e disse: "Seio", tocando na boca e dizendo: "Botão no meio". Tustin lhe diz que ele havia feito um seio para guardá-lo para si. Esta intervenção leva John a "fazer um seio maior", como ele disse. Tustin intervém dizendo que ele queria fazer um seio tão grande como não havia John responde espalhando os lápis com raiva, dizendo: "Quebrado", e afirmando que podia consertá-lo. Enfiando a mão num buraco da sala, ele se arrepia e diz: "Seio não bom! Botão embora!". Tustin lhe aponta que ele havia feito um seio que não o obedecia e não o protegia quando ele precisava. (Ela observa também que não havia sido ela quem havia inserido a palavra seio em suas sessões com John, mas a usava porque John a havia pronunciado, diferenciando seu procedimento daquele mais comumente usado pelos kleinianos.)
O interessante aqui é que Tustin, na contramão de uma certa leitura kleiniana (e ela se dizia kleiniana), não sustentou com John nada da reparação do objeto. Ao contrário, ela tende a apontar ou para o limite ou para a impossibilidade de uma reparação do pião quebrado, do seio, do pai que tropeçou, etc. E faz isso só e simplesmente porque ouve John dizer e atuar essa impossibilidade. A teoria lhe apontava uma direção ideal a seguir - a reparação, mas a clínica mostrava outra direção, John sabia de outra coisa. E Tustin preferiu acompanhar John.
Posteriormente, uma espécie de 'recaída' no autismo se dá quando ele é deixado com uma tia do pai, por alguns dias. Ele volta desse período "robotizado", "congelado", como nos informa Tustin. No início do relato do caso, Tustin já havia falado do papel dessa tia. A mãe ficara em sua casa, por um longo período logo após o nascimento de John, e o pai, trabalhando fora da cidade, pouco aparecia em casa. Essa tia também cuidara do pai de John, e, segundo a mãe, ela lhe dificultara muito a relação com o próprio filho. Podemos pensar, pelo relato do caso, que esta tia representava para a mãe esse Outro que a impedira de cuidar de seu bebê, e diante do qual ela se imobilizara e deprimira durante os primeiros meses de John. Esse período trouxe de volta, na experiência, esse ponto cego do outro materno, ponto de impotência da mãe diante do Outro, que teve como consequência deixar John cair, ficar sem apoio, sem saber onde o desejo da mãe o concernia. Aparecer como robotizado parece ter sido o espaço mínimo que este sujeito encontrou para sobreviver. Ao invés de um semblante de seu ser de objeto, uma armadura autista.
A partir daí, parece que a análise foi relançada num outro nível, o de uma elaboração, de fato, sobre este ponto no desejo do Outro, um ponto também de falta, onde ele cai como objeto, sem encontrar sustentação simbólica. Sobre este momento, o próprio John teria dito mais tarde: "o pobre bebezinho John abandonado sozinho numa ilha deserta".
Outro ponto importante é que Tustin, em suas intervenções, vai enunciando que o que acontecia é que era ele mesmo quem construía esses objetos, essas respostas para lidar com o Outro. Isto é, ela o reenvia ao fato de que ele tem parte nisso. Por exemplo, quando lhe diz que ele tinha feito um seio tão grande como não havia, marcando inclusive assim a inexistência desse objeto.
Ela vai caminhando com John, acompanhando-o nos desdobramentos dos encontros que tem com a alteridade, e nas representações que ele vai podendo fazer da falha, da falta do Outro. Vai seguindo no sentido de lhe dizer que não se trata somente de um "mundo cruel", que exige adaptação, que o faz sofrer terrivelmente, a ponto de ele ter de se afastar dele, mas que há também uma relação entre seu sofrimento e o que ele mesmo construiu desse Outro, ou seja, ela aponta para a responsabilidade dele nisso tudo.
Bem, a análise prosseguiu, e em seu último livro (acima citado), onde retoma este caso, ele pôde dar notícias de John, anos após ter terminado o tratamento. Ficara sabendo que "ele frequentara a escola na idade normal e ia bem. Mais tarde, formou-se na universidade, e tornou-se um homem sensível, ligado à música"3.
Em suma, tê-lo tomado como um sujeito dividido, que quer ficar juntinho, mas sabe que algo aí não cola; ter sustentado este mal-estar, a angústia e o terror que advêm desse "buraco", desse "embora", do que é "quebrado" e não tem conserto; e, finalmente, ter apontado para a sua responsabilidade de sujeito, parece ter sido o que permitiu a John, colocando-se de outro modo, construir um outro lugar para ele que não o de um robô, um objeto que é deixado cair, ou que é abandonado numa ilha deserta; o que lhe permitiu deixar esta resposta autista (de auto exclusão) e, dessa forma, ter empreendido uma análise. Ou antes, o fato de o autismo ter sido incluído na análise como uma forma de o sujeito lidar com o insuportável, talvez tenha sido o que lhe permitiu estabelecer transferência e daí ter podido fazer uma análise.
Uma última observação. Uma posição na qual um analista não está livre de resvalar, e que, certamente, deve ser retificada sempre que aparecer, é a de escutar com um sentido prévio, escutar com a própria subjetividade. Ou ainda, de escutar as ficções do sujeito e atribuir-lhes de imediato valor de verdade. A posição mais à par com o lugar do analista é a de acompanhar o desenrolar destas ficções do sujeito e poder sustentar, de seu lugar, a verdade que aparecerá nesse desenrolar - já que, lembremos Lacan, "a verdade tem estrutura de ficção". Certamente podemos ver como Tustin, em suas intervenções, comparecia com seu imaginário, com sentidos. No entanto, foi no desdobramento dos sentidos, no desdobramento desse imaginário que se evidenciaram os pontos de real, de limite. Desde o início deste tratamento, o próprio John encontrou e enunciou um limite, que Tustin incluiu - quando ela diz dele querer não se separar e ele logo enuncia um "embora". Desde o início se inseriu a fala em seu caráter de borda para o vazio, tal como Lacan exemplifica com o pote de mostarda vazio (no seminário X, sobre a Angústia): é em torno de um vazio que o sujeito constrói um pote, e que, sofisticando, pode inclusive dizer ser de mostarda. Bem como, para falar desse vazio ele precisa falar, dizer do pote de mostarda.
Ainda que rica em sentidos, e apesar disto, o que parece ainda ter operado à favor dessa análise foi o acolhimento e a sustentação por parte do analista destes pontos de real, de limite, pontos de emergência da verdade de um sujeito, que, neste caso, também mostraram como os limites impostos por uma certa teorização em psicanálise podem ser modificados na clínica.
Notas
(*) Trabalho apresentado na 4a. Jornada de Psicanálise com Crianças do ceppac: 2 e 3 set 1994, e publicado na Revista FORT-DA, n. 4, no prelo.
(1) FREUD, S. (1914) Sobre o narcisismo: uma introdução. ESB, RJ: Imago, 1980, vol.XIV, p.94.
(2) TUSTIN, F. (1990) Barreiras autistas em pacientes neuróticos. Porto Alegre: Artes Médicas, p.79.
(3) Ibid, p. 68