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Número 5 - Junio 2002
A criança deficiente
As marcas originais e as marcas familiares
María Antonieta Pezo de Fisch

"Quando o adulto encontra-se frente a um semelhante que não se parece ao que crê que cabe esperar dele, oscila entre uma atitude de rejeição ou de caridade. Já lhe desejar o mal ou o bem não é esta a questão". (1)
Maud Mannoni - 1976

A deficiência assim como a loucura, desde o século XVII, a sociedade se encarregou de segregar. Deficiência e loucura passaram a ser um estigma social, os seres humanos que sociedade precisava esconder, ocultar ( se criam os hospícios, asilos ) . O intuito não é tratar e sim discriminá-los dos supostos "normais" para efeitos jurídicos. A psiquiatria então tratava tanto psicóticos como deficientes com apenas uma nomenclatura " débeis mentais". Segrega-se, isola-se, dentro de uma redoma protegida. Protege-se a sociedade e coloca-se dentro dos muros aquilo que incomoda. Segrega-se não se cura.

O grande apogeu desta tendência segregadora teve um outro momento seu grande apogeu, com o nascimento do nazismo. Durante esta época exterminam-se os seres humanos que não pertencesse a mais "pura e perfeita" raça humana a raça ariana. Aquele que fosse diferente por possuir "deficiência" - diferenças - como constituição (qualquer tipo de deficiências físicas, mentais, homossexualidade ) ou como raça (ciganos, judeus, etc. ) foram maciçamente eliminados.

A tendência eliminatória e discriminatória não acabou com o nazismo. Ela parece fazer parte do ser humano. Existe nos seres humanos uma grande dificuldade para aceitar o diferente, a deficiência, os desvios. Geralmente, a deficiência é encarada como uma "falha", muitos ainda devem recordar, quão comum era as famílias esconderem seus filhos portadores de alguma deficiência ou diferença. Aparentemente, com o intuito de protegi-los de gozação ou de zombaria que pudesse ferir a já falha, constituição do filho portador de uma deficiência. Desta maneira cresciam como "animais selvagens" sem contato nem calor humano, afetivo e social. Diferença evidentemente, mas acentuada devido a falta de estímulo e ao confinamento.

O panorama sombrio antes descrito, felizmente é cada vez menor. Atualmente existe um impulso cada vez maior de não só concientizar as famílias, como a sociedade da importância de incluir, esses seres humanos tidos como "diferentes" dentro dos âmbitos sociais, comunitários, de lazer, educação e trabalho. Permitir que os " esquecidos", os "excluídos" Sejam participantes, cidadãos capazes e capacitados para um melhor convívio social.]

Gostaria de referir-me agora a uma situação clínica que poderá ilustrar-nos uma maneira sutil, ainda atual da dificuldade de aceitar ou falar do que é diferente. Tratava-se de um grupo de pais que coordenei durante oito encontros, cujo objetivo era fazer uma reflexão sobre a relação paterno-filial. Neste grupo composto por dez componentes (oito mães e dois pais ), cujos filhos menores de oito anos freqüentavam a pré-escola. Neste grupo participava uma mãe que chamaremos de Maria de aproximadamente 27 anos profissional, funcionária publica, recentemente separada do marido, e que tinha dois filhos, Jaime que era uma criança de sete anos, portadora do síndroma de Down e Damião com quatro anos . Ambos irmãos freqüentavam a mesma pré-escola e estudavam no mesmo período em classes diferentes. Mãe por indicação da fonoaudiologa, levava os dois filhos ao tratamento de terapia de linguagem que Jaime precisava, sendo importante frisar que Damião de quatro anos não apresentava nenhum distúrbio articulatorio ou deficiência.

O grupo se inicio com uma serie de perguntas que inquietavam aos pais, e minha participação se limitava naquele momento à favorecer o diálogo entre eles. Maria chegava cedo antes da hora de inicio do grupo, e geralmente aproveitava uma brecha para comentar a dificuldade para deixar as crianças, a necessidade de pedir ajuda a seus próprios pais para deixá-los com eles. Quando o grupo começava a falar, ela participava com o olhar, sendo difícil para ela mesma falar de algo que a inquietasse. Inicialmente pude detectar que Maria se identificava com a problemática de uma outra mãe, mulher jovem também separada e que tenha grandes dificuldades para colocar limites em seus filhos. Maria parecia atribuir suas dificuldades ao fato de precisar trabalhar e não contar com ajuda do marido, esperava assim ansiosa que a mudança de residência, para um lugar próximo da casa dos pais viria a facilitar-lhe a vida, já que contava com a ajuda deles.

Aproveitando uma brecha, Maria resolveu trazer para o grupo aquilo que incomodava em Damião, o filho casula que era um menino aparentemente bem adaptado na escola. Ela conta que aquilo que mais a inquietava e preocupava era o fato dele constantemente vivia disfarçando-se e vestindo-se de Peter Pan, gostava de brincar de ser Peter Pan, lutava como se fosse, inclusive queria dormir com a roupa do disfarce. Acrescentou que outra grande dificuldade era que o apego ao disfarce era tão grande que não aceitava sequer que a roupa fosse lavada, ele entrava em desespero se assim o fizesse.

Quando coordeno um grupo, usualmente peço aos pais comentar e associar ao respeito dos assuntos trazidos ao grupo. É muito interessante como um assunto pode suscitar nos componentes do grupo diversos tipos de associações e como também pode mobilizar no grupo apenas uma relação. Neste caso no grupo houve um consenso e era que Damião devia sofrer o síndroma de Peter Pan ou dito em outras palavras " o síndroma do menino que não queria crescer " e perguntaram os motivos para esse desejo. Era evidente que esta conclusão, produto do marketing de um livro intitulado assim, não nos dava resposta a este uso quase compulsivo do disfarce, e a conseguinte incorporação do personagem " Peter Pan" nas brincadeiras desta criança de quatro anos irmão de Jaime um menino com síndroma de Down. Pensar no disfarce de Peter Pan e a maneira como Damião o utilizava ,lembrava a descrição Winnicotiana do " Objeto Transicional " mais esta hipóteses embora fosse acertada não satisfazia nem dava conta do que nos interessava procurar. Encontrar um sentido à brincadeira repetitiva, um significado que persistia na sua insistência era isto que chamava a nossa atenção. Decidi procurar na historia que os pais recordavam do clássico conto de Peter Pan. Os pais pareciam ter vagas recordações "sininho" " Peter voava '' " levava outras crianças nas suas aventuras "....nada que pude-se satisfazer a insistência em ser Peter Pan.

Contratransferencialmente, o que mais me chamava a atenção, conhecendo a historia e as diversas versões realizadas ao respeito, era o fato da luta incansável de Peter Pan contra a tirania e artimanhas do capitão Gancho ( não mencionado nas associações que os pais trouxeram ). Recentemente havia assistido um filme de Stevem Spilberg, sendo este filme a própria versão e ficção do diretor e cineasta, onde Peter Pan, já adulto, era um famoso cientista, ele estava totalmente incorporado ao mundo nova-iorquino, casado com Alice, a mediania do conto. Participava de um evento cientifico quando os filhos dele são seqüestrados, e assim se desenvolve a trama onde novamente é chamado à " terra do nunca " para lutar com seu arqui inimigo o Capitão Gancho que teria capturado seus pequenos filhos . Spilberg, Steven, Hook, 1991 a versão em português é "O retorno do Capitão Gancho"

A marca fundamental do Capitão Gancho é a marca no corpo que faz dele um ser humano diferente não só por ser um pirata e estar investido da simbologia do pirata - curioso porque o pirata além de ser um fora da lei, sempre teve uma perna de pau e um pano que cobre o olho, e , sim por este inimigo mortal, Ter uma diferença deficiência marcada no corpo. A falhas nesse corpo visíveis a qualquer criança algo se passa no olho que esta coberto, no lugar de uma mão possui um gancho de metal (mão que ele perde quando perseguia Peter Pan e na luta aparece um crocodilo que lhe arranca a mesma).

Quando enuncio no grupo de pais, esta parte da historia ou seja como Peter Pan vivia para entravar lutas contra o capitão gancho, me permiti questionar, qual seria a relação entre este personagem (capitão gancho) e Jaime o irmão mais velho, portador de uma falha ou de uma deficiência, significativamente marcada nas mãos, no rosto nos olhos. Neste momento a mãe se detém para pensar e chora dizendo que " agora estavam na mesma escola e período escolar...mas no ano seguinte , não daria mais...terei que mudar Jaime de período devido a que pela idade de Damião, já estaria alcançando o irmão na escolaridade ". A mãe chorava por que não poderia mais disfarçar que eram diferentes, insistência em mostrar para ambos filhos que podiam sempre estar como iguais sem distinção (mesma escola, mesmo período ). Cabe salientar que não apenas na escola ela tratava de igualar os irmãos, Damião ia na mesma fonoaudiologa, comia a mesma comida que o irmão, uma espécie de pasta ou papinha que permitia a Jaime se alimentar sem dificuldades de engolir. Neste momento perguntei a mãe , se alguma vez havia conversado com Damião sobre a situação de Jaime o fato dele Ter uma síndroma, as limitações etc. Ela respondeu que " nunca, e que ele não entenderia ". Assim fizemos outras indagações , como ela justificava ambos ir na fonoaudiologa? Comer a mesma comida devido a dificuldade de deglutir do irmão? (ambos tenham descoberto o talharim recentemente e estavam gostando do mesmo sem ser aquela sopa). Esta mãe se sente muito perdida, parecendo não entender o porque das minhas indagações, estava bem do jeito que tratava ambos, em algum sentido parecia este trato facilitar a vida dela. Este caso ilustra bem, algumas constatações importantes que em outros casos semelhantes já havíamos localizado. A dificuldade de conviver com as diferenças.

Gostaríamos destacar de maneira sintética alguns aspectos observados nas famílias com as quais trabalhamos e que tenham algum membro com diversas diferenças/deficiências:

1. Dificuldade para falar dentro do seio familiar sobre a deficiência ou qualquer enfermidade de índole mental.

2. A impossibilidade de aceitar o filho deficiente é tão grande que leva em muitos caos a um dos conjugues abandonar a família. Desta maneira que sai parece evitar a contaminação imaginaria que existe , como se tratasse de uma "peste". Em muitos casos invade o sentimento de culpar a algum dos parceiros do casal parental pelo acidente familiar ( "é uma tara que você traz da tua família" ) assim desculpasse pela ausência ( eu não tive nada ver ... agora cuide você ). Constatamos assim inúmeras separações motivadas pelo nascimento de um filho deficiente. O casal mostra assim dificuldades em aceitar a realidade e a fragilidade perante a deficiência.

3. Em relação com os irmãos, constatamos algumas características que cabe destacar:

3.1. Dificuldade da parte dos pais em falar da deficiência.

No caso ilustrado mostra como Damião encontra na identificação com Peter Pan uma maneira de marcar aquilo que não tenha sido explicitado para ele. Constatava uma diferença, um não dito, mais evidente , o irmão possuía características que ele percebia como sendo um ser diferente dele próprio e das outras crianças com as quais compartilhava seu dia a dia. O uso da fantasia do Peter Pan foi um jeito que ele encontrou para mostrar que se debatia com um algo, com alguém diferente. Repetia aquilo que não encontrava sentido, não decifrava. Assim marcava para a mãe " eu percebo uma diferença. Assim ele repetia em suas brincadeiras , uma luta com o capitão gancho, a insistência em identificar-se com Peter Pan era o desejo, que marcava ele , que o irmão e ele eram diferentes. Diferença que nunca tinha sido falada. E que muito pelo contrario, a atitude materna, embora aparentemente sutil, mostra com insistência que ambos eram iguais. Damião precisou falar através de Peter Pan, " eu percebo que Jaime tem algo lhe falta" , que não era apenas diferente, e sim que essa diferença fazia referencia à uma falha, e como falha, semelhante ao Capitão Gancho.

Durante o processo grupal, sugerimos que a mãe pudesse falar de Jaime, do fato de ser portador de Síndrome de Dawn. Desta maneira o que era inominável pode ser falado... a diferença a deficiência. Chegado ao fim do processo grupal, a mãe comentou aliviada que Damião depois de conversar sobre Jaime, tenha abandonado a repetitiva brincadeira de ser e fantasiar-se de Peter Pan.

3.2. Identificação com a deficiência do irmão ou temor a ser igual que o irmão. Pode acontecer que a criança sinta culpa por Ter desejado eliminar o irmão, rival edipico, e que a força desse desejo tenha apenas conseguido danifica-lo, maltrata-lo. Assim ele sente a responsabilidade pela diferença. No caso relatado é útil lembrar que o Capitão Gancho perde a mão numa luta com Peter Pan. E possível que Damião se identifica-se com o " agressor ", ou responsável pela perda , e que no caso o irmão tenha se tornado diferente por causa da agressividade inconsciente dirigida ao irmão rival (capitão gancho).

Já observamos crianças que identificadas com o irmão, se tornam lentas, dispersas e com sérios problemas de aprendizagem Recentemente atendemos um adulto que tenha sido detectado como diferente (deficiente) e que tenha estudado na mesma escola que o irmão que apresentava uma deficiência mental. Tratava-se do irmão gêmeo que não conseguia estudar, curiosamente ambos irmãos são levados ao mesmo tipo de escola, para este paciente tratasse de que o irmão não sofresse a falta do irmão gêmeo. Estava identificado ao irmão? Falar sobre a dificuldade de discriminar esse tipo de irmãos é um trabalho que merece um texto especifico. Pensar que os elementos diagnósticos não conseguiam discriminar as diferenças é ser muito benevolentes.

Estas marcas familiares, podem levar os irmãos , quando forem esclarecidos, à diversas dificuldades quando crianças ( como no caso de Damião), jovens e adultos ou quando constituírem a própria família. E freqüente o temor de procriar um filho deficiente o semelhante ao irmão.

Conclusões

Diremos que o filho (a) irmão (ã) deficiente pode significar a evidencia de uma marca familiar de "falha". Defeito que questiona o natural narcisismo humano e porque não familiar. Desejo de Ter e ser uma família ideal, e perfeita... as falhas são dos outros, os estranhos a nós. Esta ferida precisa ser escutada, colhendo assim a dor e sofrimento familiar. Desta maneira contribuiremos as pessoas terem uma relação saudável com a deficiência. Sem identificação e sem culpa, para assim permitir um desenvolvimento psíquico de cada membro do grupo familiar.

Judiai, 21 de julho de 1997 - Palestra proferida na APAE

BIBLIOGRAFIA

MANNONI, Maud, 1976 ," El Niño su enfermedad y los Otros ". Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, Republica Argentina.

MANNONI, Maud, 1994 ," Amor , Odio, Separación - Reencontrarse com la lengua perdida de La Infancia" Ed. Nueva Visión, Buenos Aires, Republica Argentina.

PEZO Ma. Antonieta de Fisch., 1995 Grupos de Pais Reflexão de uma Proposta , inédito

Autora: María Antonieta Pezo de Fisch

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