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Número 8 - Septiembre 2005
Da relação de objeto a falta de objeto
Marcia de Souza Mezêncio

O título dado por Lacan ao seu quarto seminário — a relação de objeto e as estruturas freudianas — encontra-se abreviado na edição estabelecida por Jacques-Alain Miller. O título de Lacan tem o mérito e o objetivo de fazer a diferença entre a teoria e prática da relação de objeto — orientação dominante no movimento psicanalítico de então — de uma teoria do objeto em Freud. (O seminário foi dado em 1956-1957).

Como se constitui um objeto de desejo? Talvez esta seja a questão central deste seminário, ainda que não explícita. O argumento de Lacan é que o desejo se articula à falta do objeto, ao objeto perdido de Freud, que se buscaria reencontrar. Partindo dos Três ensaios para uma teoria da sexualidade, Lacan centrará a discussão em torno do objeto fetiche e do objeto fóbico, em sua função de proteção contra a angústia de castração. Ele o fará através do caso da jovem homossexual, do caso Hans e de Uma lembrança infantil de Leonardo da Vinci. A construção principal será em torno do objeto fálico.

A elaboração do quadro das faltas — as três faltas de objeto — sustenta a linha do argumento de Lacan: articular castração-desejo-objeto, formalizar o conceito de frustração, que não é rigorosamente um conceito originário de Freud, diferenciando-o do conceito de privação.

O enquadre privilegiado das chamadas relações de objeto, a relação (dita dual) do filho à mãe, fornecerá um fio ao desenvolvimento do tema por Lacan. Segundo Miller, nesse seminário elabora-se "a teoria lacaniana da mãe". De fundamental importância para o sujeito é a relação de sua mãe à própria falta e seu posicionamento como mulher. O quadro das faltas refere-se, portanto, não só ao sujeito como também a esse Outro, que é a mãe.

Lacan faz inicialmente o inventário da noção de objeto em Freud. Identifica três noções:

Pode-se dizer que as conseqüências dessas noções freudianas permitem-nos afirmar que não existem, portanto, sujeito autônomo ou objeto acabado, total, ideal, genital. A noção de objeto alucinado é oposta à noção de um objeto tomado da realidade comum e a noção de reciprocidade imaginária remete à noção de dissimetria da relação, cujas vicissitudes Lacan elaborou com o Estádio do Espelho.

A prevalência da relação de objeto na prática analítica se assenta, principalmente, na noção de identificação, concebendo o fim da análise como identificação com o eu do analista. A relação dita dual é tomada como real, empírica, não escapando às leis do imaginário. A saída aponta para fantasias de incorporação fálica. Essa é a estratégia de condução dos tratamentos proposta pela IPA (Associação Psicanalítica Internacional).

O esforço de Lacan será o de estabelecer o caráter deste objeto — o falo — inserindo-o em uma lógica simbólica, na articulação do que, em Freud, é o mito de Édipo. Para ele, essa articulação não deve ser tomada na realidade, mas entendida a partir da organização que a linguagem dá a essa realidade. Isso supõe esclarecer também a noção de realidade na análise, que não se confunde com a realidade material, mas é enquadrada na oposição do princípio do prazer com o princípio da realidade. O mais importante aí não é que a mãe exerça bem sua função e que a criança aprenda a distinguir o seio alucinado do seio real. (Winnicott) O ponto essencial aqui é a noção de falta de objeto.

A análise começa pela noção de castração. É a noção freudiana. O fato de se falar de frustração (teoria da relação de objeto) e privação (como propunha Ernest Jones) e que estas tenham se tornado as noções chave na condução do tratamento (pelo menos na vertente da relação de objeto), é o motor do esforço de Lacan em distinguí-las e torná-las utilizáveis.

Real, simbólico, imaginário são os operadores lacanianos de organização da experiência analítica. É necessário assinalar que, no momento desse seminário, Lacan privilegia o registro simbólico. É ele que sustenta o imaginário e ao real só se tem acesso teorizando-o. O real, neste ponto do desenvolvimento teórico de Lacan, pouco se diferencia da realidade, ainda que se apresente o caráter de repetição. Pode-se, então, relacionar as faltas a esses registros:

Que ou qual é o objeto que falta nesses três casos?

Na castração o objeto é imaginário, pode ser imediatamente nomeado: o falo (-). O objeto da frustração é um objeto real (o seio), enquanto na privação é antes um objeto simbólico (o pênis da mãe).

O quadro é completado com a inclusão do agente:

Ação Falta Objeto Agente
Castração dívida simbólica imaginário pai real
Frustração dano imaginário real mãe simbólica
Privação furo real simbólico pai imaginário

Miller adverte que não se deve seguir o quadro como se segue um mapa. É um instrumento que ajuda a ordenar a experiência e orientar a clínica. Algumas questões serão alteradas posteriormente por Lacan e mesmo no correr do próprio seminário 4, nem tudo se encaixa completamente no modelo.

Lacan introduz a discussão a partir da frustração, destacando o interesse de pensá-la como introduzindo um ou outro dos planos: castração ou privação. A Dialética da Frustração demonstra que é impensável, para a psicanálise, a harmonia entre sujeito e objeto. Freud é bastante explícito quanto ao caráter variável, não necessário do objeto. A matriz desta dialética nós a encontramos no fort-da, o par presença-ausência que constitui a mãe como agente simbólico da frustração: ela pode ou não atender o apelo da criança pelo objeto real de sua satisfação.

Aqui se articula a falta da criança, a frustração da "necessidade" de objetos reais de satisfação, com a falta da mãe, sua frustração como mulher. É por isso que a frustração se desdobra e se inverte, ou seja, a mãe pode não atender ao apelo que a criança lhe faz e, então, ela se torna uma mãe caprichosa, uma potência real, não mais a mãe simbólica, como tal submetida ao ordenamento simbólico do Nome do pai. O objeto também muda de estatuto, passando a ser simbólico, na medida em que a mãe pode dá-lo ou não, este se torna o símbolo de seu dom, de seu amor.

Têm-se aí as duas vertentes da frustração: frustração de gozo (a noção de gozo nessa época ainda não está totalmente elaborada, é o equivalente da satisfação de uma necessidade real) e a frustração de amor. A conseqüência lógica da ordem simbólica é a desnaturalização do objeto e sua inclusão no registro da demanda. A partir do desenvolvimento em detalhe dessas duas vertentes da frustração, se elabora o conceito de demanda, que a torna utilizável na clínica. A importância da frustração de amor é a constituição dos objetos como signos de amor, signos de dom, estabelecendo sua equivalência simbólica. O deslizamento na série de objetos se faz possível através de sua identificação ao falo.

AÇÃO OBJETO AGENTE
FRUSTRAÇÃO ( I ) de Gozo Real
(seio)

Simbólico
(dom)

Outro simbólico
(mãe)

Outro real
(mãe como poder)

( II ) de Amor

Essa formulação esclarece o impasse da teoria da relação de objeto, que ao não distinguir frustração de gozo de frustração de amor, não pode deduzir o acesso à realidade através da falta de objeto, da discordância fundamental do objeto. O estatuto simbólico do objeto permite também deslocar a questão do acesso à realidade através da passagem do objeto parcial ao objeto total. Para Lacan, o acesso à realidade depende da frustração de amor, da dialética do intercâmbio a que se acede por intermédio da constituição do dom como forma simbólica do objeto. Isso depende da ordem da Lei, da proibição do incesto e não de uma experiência empírica da realidade.

Uma palavra sobre a anorexia. 1 No comentário que Miller fez do seminário 4, ele diz que nessa dialética o mais importante é o fato de que a mãe responde e não a natureza ou materialidade do objeto. Pedem-se coisas inúteis, porque o que importa é a palavra de amor, os objetos reais se tornam signos de amor. "Em relação à alimentação, se a alimentação que a mãe dá tem valor mais real que valor de signo de amor, a criança pode responder com anorexia. Como diz Lacan, prefere comer o nada". Na anorexia se encarna o comer nada do amor. De tal forma que a relação de dependência se inverte. "Graças a este nada, ela (a criança) faz a mãe depender dela". É, pois em relação à frustração de amor que se deve pensá-la. Está em jogo uma demanda incondicionada de amor — ou tudo ou nada. 2

A potência do Outro é ferida, pois é, ao mesmo tempo marcada por uma dupla falta. Por um lado, há a impossibilidade estrutural de responder à demanda, por outro, o segredo que a presença-ausência revela: o desejo mais além da demanda, que a própria falta fálica da mãe induz. É assim que chegamos ao exemplo paradigmático da privação: a "castração feminina" e a importância dessa falta do Outro no real ("castração" materna) para a ação da castração. O falo "objeto imaginário da dívida simbólica da castração", introduz o sujeito na dialética do dom e das trocas simbólicas, para além da frustração de amor. Instaura a lei reguladora do poder materno, restringindo, assim, o seu capricho.

A questão sobre o objeto de desejo recai sobre o objeto de desejo do Outro. O falo se torna a resposta a essa questão, sob as formas do ser ou do ter.

Notas

1 Sobre esse tema ver no Seminário 4 – Capítulo XI – O falo e a mãe insaciável.

2 Conf. J.-A. Miller "A lógica na direção da cura", p. 110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LACAN J.

MILLER, J.-A. A lógica na direção da cura – Belo Horizonte, EBP-MG, 1995.

RABINOVICH, D. El concepto de objeto en la teoría psicoanalítica, Buenos Aires, Manantial, 1990.

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