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O que dizer das florestas
de suave e enrijecido verniz
dos eucaliptos, da família das Mirtáceas
cuja floração é palco
de copulação de inúmeras abelhas.
( Entranhas- Gilvânia)A carta de número 71 que Freud escrevera a Fliess (1896) relata a auto-análise de um de seus sonhos onde aparece dentre outras coisas, o ressentimento por um médico em Freiberg. Surgem da análise desse ressentimento analogias pela primeira vez com o mito de Édipo de Sófocles e Hamlet de Shakespeare. Ergue-se assim a teoria do Complexo de Édipo (1910) baseada na tragédia grega de Sófocles, Édipo-Rei:
É num artigo publicado pouco tempo depois de ter ele proferido as Cinco lições na Clark University, que Freud vai empregar pela primeira vezo termo Complexo de Édipo(op.cit., p. 154). O fundamental a se destacar nessa concepção inicial é que o Complexo de Édipo é visto como um conjunto ou uma estrutura ideativa que vai sinalizar a conduta da criança como, por exemplo, nas suas futuras escolhas de objeto ( Freud in Garcia-Roza, 1998, p.218).
O Complexo de Édipo é uma vivência psíquica universal. É o que estrutura a vida erótica do sujeito, norteia cada neurose, orienta a vida mental e possibilita a entrada na cultura. O mergulho a essa experiência não é marcado pela idade, mas pela vivência particular em que cada ser humano se encontra inserido, seja numa família ou em uma instituição. Os fatores que vão concorrer para que tal vivência aconteça são: a linguagem, o estado de perfeição narcísica, o processo identificatório permeado pela ambivalência de amor e ódio e finalmente a renúncia ao desejo onipotente através da ameaça de castração.
A constituição do Eu se dá a partir do outro, mais precisamente falando, esse outro é quem dedica cuidados à criança. A criança nesse primeiro momento encontra-se identificada com o objeto de desejo da mãe. O bebê está imerso na inserção materna: está cravado na mãe; essa a mãe será para o filho como as guelras dos peixes que fazem movimentos contraídos em busca de respiração. O amálgama dessa relação mãe/criança recebe o nome de perfeição narcísica. Ela é o complemento da falta da mãe, ou seja, o falo, por isso não pode ainda ser vista como um sujeito, mas em um estado de assujeitamento, para que a criança possa sair desse estado é necessário que ocorra o interdito paterno:
É essa interiorização da lei que possibilita à criança constituir-se como sujeito.É o momento em que a criança, ao ser separada da mãe pelo interdito paterno, toma consciência de si mesma como uma entidade distinta e como sujeito e é introduzida na ordem da Cultura. Esse é também o momento inaugural da família simbólica (Garcia-Roza, 2004, p.223).
Para que a criança não esteja predestinada a esse estado de fusão e de perfeição narcísica, faz-se necessário um acontecimento que estabeleça uma intervenção, um corte a Lei do Pai seja através de qualquer instituição: família, escola, projeto social ou até mesmo através da Clínica Psicoterápica.
Desta forma, para relatar os acontecimentos da jornada edípica, vamos usar de analogia com o ciclo do herói em versos e metáforas, visto que o herói também precisa renunciar ao desejo, vencer o medo e estar de acordo com o dever social, ou seja, estar em consonância com a cultura e não mais com a natureza. Estamos falando do interdito do incesto. Para tanto cumpre-nos tomar a seguinte questão: Em busca de integridade psíquica o paciente pode reclamar por castração?
Os desejos incestuosos tomam a vida psíquica da criança de forma singular. Assim como um rio caudaloso precisa de diques, a criança faz uso de sintomas; usa-os como pedido de assessoramento para o desvio de seu desejo. Foi devido à queixa de agressividade na Escola e manipulação dos órgãos sexuais do cachorro que a mãe de V.R procurou o Atendimento em Psicoterapia Breve em uma Clínica Escola.
V. R dormiu no quarto de seus pais até os sete anos de idade. Só foi mudado seu local de dormir após a intervenção da Escola. V.R passou a dormir na sala que fica ao lado do quarto dos pais, que não possuía porta. O seu conflito em relação à sexualidade parecia irromper de situações nada impeditivas, pois podia entrar e sair do banheiro no momento do banho de seus pais, mas não podia ter curiosidade em relação aos órgãos sexuais. Foi essa a mensagem de seu pai quando lhe deu uma surra ao vê-lo manipulando o pênis do cachorro. Não houve diálogo algum, o cachorro foi retirado de casa, por outro lado não houve qualquer providência quanto à colocação de uma porta no quarto dos pais. Portanto, V.R ficou capturado na vida erótica dos pais.
Quando V.R compareceu à sessão revelou a sua dimensão edípica através do jogo com massinhas. Fez uma árvore de tronco grande e grosso, demorou em sua confecção, colocou-o colado à mesa, depois fez várias bolinhas imitando uma copa e grudou-as no tronco. Depois fez uma tigela funda e colocou dentro dela um osso grande de cachorro, tentou fazer o cachorro e não conseguiu, a cabeça e a perna caiam, acabou desistindo e guardando tudo dentro da caixa. A semelhança ao pênis é a representação de si mesmo através da árvore e o osso dentro da tigela apontava para seus desenhos incestuosos.
O pai de V.R parece não interditar o desejo incestuoso de seu filho e sua mãe não marca com seu discurso o lugar do pai. O reconhecimento da Lei do Pai é viabilizado pela mãe. A mãe através de seu discurso e do reconhecimento do pai como homem e como representante da Lei é que põe em marcha a dupla proibição feita pelo pai: ao filho: não possuirá sua mãe, à mãe: não incorporará o seu rebento.
Às sessões que se seguiram V.R montou o seguinte jogo: dobraduras de balão, barco e come-come. Parecia pedir ajuda para direcionar suas pulsões? Reclamava por castração? Construí junto com ele balão e barco. Não tardou e V. R na sessão seguinte abriu espaço na mesa e montou sua cena edípica. Um homem deitado na cama cercado de vários animais domésticos, vacas, galinhas, cavalos e do outro lado atiradores prontos para mata-los. O motivo? Queriam vingança, pois o homem havia matado os animais dos atiradores.
À sessão seguinte V.R mostrou sua identificação com o pai e indicou o que poderia castrá-lo. Desenhou uma casa grande e uma porta minúscula. Perguntei-lhe: quem pode passar por essa porta? Ninguém isso só é um desenho. Sim V.R só é um desenho, mas se alguém pudesse passar por essa porta quem seria? Respondeu: um anão. Imediatamente pegou o lápis e pôs-se a aumentar o tamanho da porta e a colori-la. E agora quem passaria? Desenhou um menininho e disse: eu. Sendo assim V.R acabava de indicar a necessidade de uma porta no quarto de seus pais para conter seus desejos.
A castração lança a criança em um outro processo de identificação. O pai passa a ser para a criança o falo, é alguém que se tem apreço e que é tomado como modelo. Porém, a castração precisa operar também no pai. O falo e a lei não podem ser mais nenhum dos elementos da tríade.
O processo identificatório com os pais continuou na sessão seguinte. V.R montou a seguinte cena: pegou a cama de casal e me olhando disse: aqui não cabe o pai e a mãe, essa cama é pequena, então colocou uma menina com o bebê em cima da cama de casal e do lado dessa cama um menino no chão. Os pais foram colocados no chão deitados distantes dessa cena. Animais, cozinha, banheiro, árvores, carros e aviões, tudo se misturava fazendo parte dessa casa.
A criança precisa abdicar do seu desejo de união com a mãe. O Édipo tem que ser renunciado, pelo menos na superfície. Nosso herói precisa lançar o dardo, esposar o ocaso para adormecer in glória. Porém no id sobreviverão as marcas dessa abjuração sob a escolha objetal paterna primeiro momento do homossexualismo quer sob o patrocínio de uma identificação revigorada com o pai de onde se origina a masculinidade ou sob os diversos tipos de identificação com a mãe.
O desfecho das identificações e da rivalidade se deu nas próximas sessões. V. R chegou disposto a montar o mesmo jogo da primeira sessão com as massinhas, ou seja, reproduziria o mesmo desenho que estava na caixa. Mas de repente me perguntou: o que você acha que eu devo fazer? Respondi: bom, o que você quiser, você é tão inteligente, sabe fazer tanta coisa, aposto que consegue fazer algo diferente com essas massinhas. Sorriu dizendo que queria um outro tom de verde. Ah é? Eu disse:por que não experimenta criar então uma nova tonalidade de verde, você pode descobrir novas cores, tenta, você vai conseguir. V. R inicialmente resistiu, pediu minha ajuda e logo após jorrou criatividade, se divertiu com as novas cores que foram surgindo e por mais três sessões seguidas ficou mobilizado no mesmo jogo, ou seja, em descobrir novas cores.
Mais uma cena nos mostrou o rumo da jornada edípica. No jogo com massinhas fez rolos pequenos e outros maiores, vários deles, de repente me contou: eu estava com meu primo brincando de Homem Aranha no Vídeo Game, eu já estava na terceira fase, meu pai chegou e me tirou. E você ficou com raiva do seu pai, perguntei. Não, não pode ter raiva do pai. Não brigar com o pai pode ser entendido como uma renúncia ao objeto de desejo? A terceira etapa do Jogo do Homem Aranha pode ser considerada uma indicação à entrada no terceiro tempo do Édipo?
A senda que nosso pequeno herói percorreu a partir de então indicava para a angústia de castração, sofrimento que não pode deixar de ser, logo é o que aponta para a falta. V.R apresentou-se às duas sessões seguintes reclamando cansaço, desânimo e sono. Trata-se de um contínuo vir a ser solitário, porém, agora, aquecido pelo acréscimo do que se conquistou, após infinitas subidas e descidas de montanhas geladas com rochas pontiagudas, marmorificadas, doravante, cheias de possibilidades.
Essa passagem dá lugar à substituição pela criança de uma identificação com o eu ideal para uma identificação com o ideal do eu. Após a separação realizada pelo pai entre a mãe/criança, há um deslocamento, o pai passa a representar o ideal da perfeição, assim a criança identifica-se com parte do supergo do pai. O superego da criança é a conseqüência dessa identificação com o ideal do eu de seu pai.
O termo de nossa questão V. R demonstrou ao abrir sua caixa lúdica e com um delicado estranhamento em tom admirativo perguntou-me: quem colocou esse bicho aqui? Respondi: já estava aí. Não estava, retrucou. Retirou todos os animais da caixa um a um com o mesmo estranhamento. Algo novo se apresentou com diligência: "... Derrubará as profecias, vencerá o medo..." . V. R retirou da caixa todos os brinquedos que compunham a casa e pediu minha ajuda para organizar tudo.
Foi indicando onde cada coisa deveria ficar, tudo deveria estar em seu devido lugar. Colocou os pais em um quarto e cada filho em seu próprio quarto. No quintal os animais não se misturavam, a galinha comia milho, os porcos ficavam na lama, as vacas pastavam e um avião ficava no subterrâneo da casa. A totalidade das sessões parecia aludir ao indicativo de que V. R havia achado saídas para a resolução temporária dos conflitos e angústias edípicas.
Tudo parecia confirmar-se na última sessão. V. R chegou, abriu sua caixa, tirou todo material gráfico e disse: vou desenhar... Você também vai ta bom, foi o que me disse. Deu-me uma folha e me ensinou que aquela folha podia se aproveitar bem. Dobrou-a ao meio, riscou, virou a folha e disse: viu podemos aproveitar a folha e desenhar dos dois lados; vou fazer o que eu fiz na escola. Colocou a mão sobre a folha e com um lápis fez o contorno, depois fez as unhas sobre os dedos, fez vários riscos na mão toda e me disse: essa é uma mão suja, agora vou fazer uma mão limpa, fez a mão limpa e escreveu debaixo de cada mão: mão suja, mão limpa. Virou a folha e me disse: minha tia é professora da escolinha da igreja, quando vou lá eu desenho também, agora vou fazer um arco-íris, faz um também... .
A admissão da castração simbólica é uma dádiva para que o sujeito possa fazer metáforas na vida. Deixar entrar a certeza que não se pode tudo é estar livre para admitir que se têm limites, direitos e deveres, por isso a castração simbólica é um donativo para o sujeito.
A marcação que V. R fez com os significantes casa e porta nos indicava a dimensão de seus impasses em relação às suas relações intrafamiliares, apontava também para a necessidade de uma medida em termos psicossexuais de um "acerto de contas", ou seja, pedia por castração, visto que sinalizava através da porta em seus desenhos seu desejo de impedimento em relação ao que o seu meio ambiente estava lhe proporcionando.
Em vista disso, podemos inferir que nossa proposição se confirmou: em busca de integridade psíquica o paciente pode reclamar por castração. O paciente V. R demonstrou através de seus jogos simbólicos o que necessitava e o que poderia restituir-lhe a saúde. Em sua última sessão o paciente revelou que teve acesso à castração simbólica através da metáfora da mão suja e da mão limpa. A mão que outrora lhe fizera experimentar uma surra devido à manipulação do pênis do cachorro, se encontrava agora limpa. Sua dívida estava paga, podia virar aquela página e desenhar um arco-íris.
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_______________ Recordar, Repetir, Elaborar, Volume XII.
_______________ A Teoria da Libido
_______________ A dinâmica da Transferência
_______________ Romances familiares
_______________ História de uma Neurose Infantil, Volume XVII
_______________ Erotismo Anal e o Complexo de Castração, Volume XVII
_______________ A Dissolução co Complexo de Édipo
_______________Organização Genital (Uma interpolação da Teoria da Sexualidade).