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Número 9 - Diciembre 2006
A inclusão pela arte
uma análise teórica metodológica
dos distúrbios de aprendizagem
Márcia Siqueira de Andrade

RESUMO

Esse artigo posiciona a utilização de ferramentas artísticas no campo psicopedagógico e a percepção como fenômeno de interferência, utilizando-se da construção de alavancas de merecimento e valorização do sujeito envolvido, desde a gestação até a inclusão escolar e social, como um processo de espelhamento.

Os fios que o enredam são diagnosticados ao longo dessa ausência de auto-estima. A nova imagem revelada permitiu-lhe desembaraçar-se desse novelo de nós e conquistar o prazer de apenas ser.

A crescente melhoria na qualidade de aprender e ensinar, alinham genitores, educadores e psicopedagogos, cada qual em seu papel, para juntos transporem essa prática para o universo da educação, fortalecendo um ser alfabetizado pelo afeto e pelo desejo de pertencimento ao grupo institucional.

Objetivos: Estabeleço os elos, como fio condutor, nesse campo de pesquisa fenomenológica para trazer a importância da arte-educação, mais especificamente a arte espontânea, dentro da sala de aula como uma qualidade de percepção para o pedagogo, e elemento de apropriação como conhecimento, justificável no processo de se detectar interferências validando um novo olhar psicopedagógico com múltiplas interfaces para a inclusão escolar, e a valorização do ser como parte de um processo contínuo educacional e de amadurecimento pessoal.

Métodos: No processo dissertativo estabeleço a realidade do estágio aqui não inclusa. Quatro crianças, com idades entre 8 e 10 anos, tiveram um acompanhamento psicopedagógico ao longo de dois semestres com suas condutas analisadas e supervisionadas, e cada qual pode experenciar a arte como processo fruidor e narrativo de sua vivência para a re-inclusão.

Resultados: Trato por interferências, as possibilidades hipotéticas de se modificar, interferir, inferir e transformar, o caminho para a aprendizagem; colocando-a sobre um tabuleiro de xadrez, ágil e de fácil observação e movimentação simultaneamente em todos os ângulos. Cinco interferências foram estabelecidas, mas não mencionadas nesse artigo. Todas, em seqüência, são os fios condutores que norteiam o resgate da auto-estima definindo a nossa inclusão constante como sujeito aprendente em todas as nossas escolhas pessoais e profissionais.

Conclusões: O ser humano precisa viver em estado de paixão, pois esta não necessariamente com vínculo sexual, mas na sua maior potencialidade, no desejo pelo o quê se faz e como se faz. Ao longo do processo dessa pesquisa, concluímos que toda a trajetória se faz pela busca em um foco, e ao longo da vida, compreendemos que nossas experiências se transformam em memórias, nos alavancamos para transformar dificuldades em oportunidades. O segredo do Universo não é contemporizar, mas ao contrário, intensificar as relações como pontes e espelhos de conduta. Cada qual organiza sua história, e o esquema de suas vivências sejam estas no passado ou no presente. As lacunas fazem parte da busca pelo novo saber.

UNITERMOS –Linguagem, afeto, criatividade

ABSTRACT

This dissertation aims at understanding the perception by using artistic tools in a psycho-pedagogy field as a phenomenon of interference.The issue has been the creation of levers of worthiness and appreciation of the concerned person since gestation to social and school inclusion as a process of mirroring. The tangles of the person are diagnosed by the absence of his/her self-esteem. The new revealed image allows him/her to disentangle the knotty ball of wool making him/her to conquer the pleasure of just being.The growing search for teaching and learning quality improvement keeps parents, teachers and psycho-pedagogues aligned to project this practice into the universe of education, strengthening a literate person through affection and desire for belonging to an institutional group.

 

O QUE SÃO NÓS ?

Poderíamos primeiramente brincar com a palavra nós, pois essa palavra tem dois significados: nós no plural (eu e mais pessoas), pronome pessoal, que funciona como sujeito, como predicativo, ou como regime de preposições; e nós que identifica pequenos "nódulos" por uma corda ou fio. Brincar com toda a ludicidade, brincar de ser, de aprender, de conviver, de fazer, fortalecendo-se nos quatro pilares da Educação. Mas essa ludicidade precisa vir acompanhada de pirulitos de prazer para ter uma boa dose de graça, habilidade e competência. Assim deve ser nosso educador, psicopedagogo, psicólogo, e profissões afins para que nosso sujeito aprendente seja uma criança em qualquer faixa etária que como aprendente desfrute as cantigas de roda, os heróis imaginários, saiba ajoelhar-se não para pedir perdão de seus atos, mas lembrar que a altura de uma criança em olhar o mundo é pelo umbigo, nosso foco de comunicação desde o ventre materno.

O desatar dos nós em nós

Mencionar a importância da visão psicopedagógica é fundamental nos dias atuais. Quanto mais a criança se insere no âmbito escolar avançando ao longo dos anos, mais compreendemos as falhas institucionais e re-encontramos soluções de construção no ser que desabrocha como uma pequena sementinha que precisa ser cuidada, regada, adubada, todos os dias, e acima de tudo, manter junto a si aquele olhar peculiar, amoroso, incentivador, que quase todas as mães carregam em seu desejo de zelo. Assim poderíamos, quem sabe um dia, dizer metaforicamente, que a escola é a segunda mãe da criança.

Pode o psicopedagogo utilizando-se da linguagem da arte, arte espontânea, como ponte de suporte de comunicação, dissolver os nós que impedem o ser aprendente de caminhar, ajudando-o pelo afeto a se reconhecer ?

Como psicopedagoga e arte-educadora trabalhamos com a percepção e a relação direta com a realidade. Afirmamos conscientemente que há a necessidade de valorização do ser em qualquer contexto seja social, escolar, e ou etário.

Encontraremos pontos de sustentação, exatamente nessa ordem de pontuação. Nossa linguagem é precisa e factual. Imperiosa na sua maneira de se colocar, mas amorosa no seu processo de desenvolvimento lúdico.

Ao trabalhar fenomenologicamente no âmbito da educação escolar, a postura é de buscar pelo sentido e pelo significado do que se faz e do que se escolhe. Com isso, faz-se presente o autoconhecimento e o conhecimento do Outro. Nesse fazer a análise, a crítica e a reflexão são constantes e são componentes básicos. [...] A fenomenologia se mostra apropriada à educação, pois ela não traz consigo a imposição de uma verdade teórica ou ideológica preestabelecida, mas trabalha no real vivido, buscando a compreensão disso que somos e que fazemos – cada um de nós e todos em conjunto. Buscando o sentido e o significado mundano das teorias e das ideologias e das expressões culturais e históricas. 1

Estamos buscando o aperfeiçoamento da compreensão das inter-relações que permeiam a vida do ser humano em seu caminho de aprendizagem, utilizando ferramentas subjetivas da arte como elo pessoal de identificação, posicionamento a valorização da auto-estima; e como fatores de fortalecimento do comportamento através da comunicação e do desenvolvimento em grupo.

A Psicopedagogia está interessada em avaliar, estudar, compreender e sentir o sujeito aprendente em suas várias articulações com o mundo a sua volta.

Cada um de nós desempenha uma importante função na sociedade. Somos a soma de um grande quebra-cabeça onde sem uma peça o jogo fica incompleto. Mas não podemos esquecer antes de sermos importantes para esse jogo, necessita-se que sejamos essencialmente imprescindíveis e apreciados por nós mesmos. Sim, temos que nos aceitar, respeitar e amarmo -nos em primeiro plano. Os nós começam em nossos neurônios, entram na circulação e atingem fatalmente o coração.

A Psicopedagogia caminhando entre Psicologia, a Filosofia, e a própria Pedagogia nos ajuda a compreender versões e vertentes dessas linhas que acabam formando um grande novelo. Então, em vez de sermos uma peça de um jogo, tornamo-nos novelos emaranhados. Alguns são mais resistentes e até mais espessos - podem chegar a ser um fio de aço porque não aceitam as vicissitudes da vida; outros são mais dóceis como um fio de lã ou costura, prontos para se romper precisa-se apenas de ajuda. Assim são nossas crianças, nossos alunos, pacientes, adultos, nós.

A linguagem é o meu suporte para transcrever tantas vezes elementos comuns e fundamentais para a apropriação de um novo saber. Desenvolvo muitas pesquisas através de projetos pedagógicos, alavancando o processo de criar e de ser criativo como novas formas do conhecer, seja em equipes ou individualmente. Desde o início da década de 90, permeio essa dualidade na minha pessoa, e agora transcrevo a minha própria caligrafia.

E os nós começam a contar a sua história.

Como?

Precisamos construir um paralelismo, pois não somos seres com pensamentos independentes de nossas ações. E a memória é o primeiro assento de nossa afetividade. O desejo de se pertencer é desenvolvido nos primeiros anos da infância, e ao comungarmos como adultos intelectuais e senhores de nossas faculdades mentais, voltamos lá na infância para resgatarmos valores amornados pelo tempo...

A pesquisa sobre a importância da linguagem da arte no afeto da Educação, principalmente nas análises das sessões, relata situações, mensagens de narrativas e textos simbólicos, para a reconstrução das relações em que o sujeito aprendente, em um dado momento, desfaça-se de seus nós pessoais, resgatando novamente o prazer pessoal como sujeito valorizado e amado por si mesmo, reencontrando o fio de seu novelo para a sua nova caminhada de inclusão, resignificando-se. "Sabemos que para aprender é necessário um ensinante e um aprendente que entrem em relação". 2

As reflexões sobre esse tema não se esgotam, e devemos, como seres inclusos de conhecimento e percepção sensorial e cognitiva da realidade, como seres caminhantes da linha da Psicopedagogia, aprofundar esse conhecimento quer como ensinante, quer como aprendente. Nessas condições, todo o conhecimento é sempre assimilação de uma informação, acontecimento ou dado exterior às estruturas do sujeito. Portanto, segundo Piaget, cada pessoa constrói, ao longo do processo de desenvolvimento, um modelo de mundo individualizado, onde a interpretação de uma mensagem varia em função da idade do sujeito, quantas informações ele conseguiu acumular.

Nossos novelos

Todo o objeto de estudo tem um objetivo central e, portanto, um foco direcionado de hipóteses. No campo da Psicopedagogia, esse foco de investigações é o campo de atuação; é aí que se estabelecem às interações entre a personalidade e o mundo. Enquanto que o conceito de conduta conota modificações em que a personalidade é o agente, o conceito de situação, do ser-estar, é importante porque conota as modificações em que o meio é o agente modificador. E nesses novelos, de situação, interação e conduta, muitas vezes já emaranhados, nós, o ser aprendente ou aprendiz, cria e se projeta no mundo.

"A interpretação que construímos é uma resultante da mistura de tudo isso. Quer dizer também que todo o fenômeno que se manifesta hoje tem sua história no sujeito que o está manifestando"3

E quanto mais caminho, mais percebo que o maior ainda está em não conseguir disponibilizar o tempo para ler tudo àquilo que necessito para a formação e compreensão maior de todo esse processo, que a espacialidade adquirida, por ter "contato" com diferentes autores, propicia-me diferentes vertentes de pensamento, levando-me em direção a um grande novelo de lã... Sinto-me, muitas vezes, sem forças ou capacidade intelectual, de poder assimilar em tão pouco tempo essas perguntas "nós" que me acompanham desde que comecei a perceber os diferentes tipos de comportamento que me rodeavam desde a infância.

Naquela sala de aula onde éramos "obrigados" a ficar longe de papai e mamãe..., o primeiro dia na escola..., onde o medo nos paralisava e não tínhamos ainda a compreensão exata dos porquês,…, fomos "ensinados" a dividir, e aceitar o outro, imperativamente, e assim sucessivamente fomos transpondo "degraus" em busca do nosso conhecimento, ao longo da vida. Com a pesquisa também me tornei mais consciente de minhas próprias emoções e buscas pessoais.

Fenomenologia é um nome composto: "fenômeno" vem da palavra grega phainomenon, e deriva do verbo grego phainestai e significa "o que se manifesta, se mostra, aparece". Logos possui muitos significados, como "o que reúne, unifica, o unificante, raciocínio, discurso, reunião. Fenomenologia pode ser entendida então como estudo de diferentes modos de aparecer o fenômeno ou o discurso que expõe a inteligibilidade em que o sentido do fenômeno é articulado. 4

Toda a sala de aula está inserida em um contexto pedagógico e multidisciplinar, não longe se situa o atendimento psicopedagógico, quando o foco é causa e reação do déficit de aprendizagem escolar. Portanto, ambas buscam na intencionalidade seu veículo portador de ações disciplinares de conduta e posicionamento consciente. Apesar de tratar-se de posições contemporâneas de conduta de um educador ou psicopedagogo *, a intencionalidade teve sua origem na Idade Média, através do filósofo Edmund Husserl, um dos precursores da Fenomenologia. Intencionalidade é uma relação dialética onde sentidos estéticos podem surgir". 5Husserl fez a seguinte descrição para explicar o fenômeno:

Nosso olhar, suponhamos, volta-se com um sentimento de prazer para uma macieira em flor num jardim... Para percepção consiste de início em colocar a existência da macieira no jardim, depois em colocar relação com essa macieira real à consciência do sujeito pensante, o que produzirá na consciência uma macieirarepresentada correspondente à macieira real. Conseqüência: haveria duas macieiras, uma no jardim e outra na consciência. Mas surge a dificuldade: como podem estas duas macieiras constituir apenas uma só? [...] Se recorrermos [...] à análise intencional, não partiremos da macieira em si, da qual nada sabemos, nem da pretensa macieira representada, da qual nada sabemos mais do que a outra. Partimos das "coisas mesmas", isto é, da macieira-enquanto-percebida, do ato de percepção-da-macieira-no-jardim que é vivência original a partir da qual chegamos a conceber uma macieira ou uma macieira representada. 6

Resta-nos, seres mais contemporaneizados, percebermos, tão simples e metaforicamente eloqüente, que habitamos em campos visuais de ilusão, e, portanto, a partir desse momento, tratarei de pontuar como linguagem da percepção. Onde o olhar não é ver simplesmente, mas trabalhar com os sentidos do corpo. E esse corpo erguido por um fio condutor, que simbolicamente é representado, nessa monografia, por um novelo, para dissolvermos pelo afeto e pelo desejo, os nós que acontecem ao longo do percurso que escolhemos.

A intenção é apropriar-se dos fatores da linguagem como veículo de comunicação e integração que influenciam o comportamento. Alavancar os processos institucionais geradores da formação para a reconstrução das relações em que o sujeito aprendente em um dado momento foi acometido do ‘sintoma’ ÿ desse bloqueio do ‘prazer na sua vida’ ÿ na sua área cognitiva, na sua área afetiva, para novamente inserirmo-lo no contexto de família, de escola, de comunidade, como um sujeito re-conhecido por si mesmo, e desprovido de tantos nós que o impediam apenas de ser .

A atenção para elucidar os nós (dificuldades/desmerecimentos) afetivos, emocionais, institucionais que engendramos em nossa caminhada de aprendizagem, e desfazê-los, como um novelo, pelo prazer de saber fazer e pelo prazer de assumir simplesmente ser, trabalhados na abrangência educacional.

A palavra nós torna-se uma metáfora com a pluralidade: nós/nossa, onde buscamos incluir em nossas ideologias um ser global e não um ser individual.

Precisamos:

1. Validar a ilusão de se estar conjunto a outrem, vagando em todos os ângulos dos pensamentos.

2. Construir o ser como um todo, pleno de sua certeza, inteiro como homem, e não apenas em uma lateralidade.

3. Perceber o educador como a ferramenta diferencial de comunicação e resgate dessa criança inserida no medo, no abandono de si, ocultando, pelas mal traçadas linhas, seu pedido de socorro.

Nesse espaço posiciona-se a realização do estágio e sua atemporalidade. Como mencionei na entrega dos relatórios: uma aprendiz/feliz viagem na Psicopedagogia.

Não podemos apenas lidar na teoria, a prática de estágio na Psicopedagogia e a prática de sala de aula são fundamentais para a compreensão das relações pessoais e interpessoais, o desfazer do novelo de lã, para recomeçar compondo outra história. Fio a fio, cor a cor, construindo um feixe de linhas, dotando o ser possuído com seu mais alto dom: seu pertencimento. Percebe-o no desenho de Alice no país das maravilhas, em que o senhor coelho sustenta um tempo atemporal quando diz: o tempo urge, o tempo urge...

Meu papel de psicopedagoga se constrói como espelho de memórias reencontráveis e afetos assumidos. Encontro, reencontro-me em tão ansiadas buscas, onde os caminhos não mais paralelos se cruzam no âmago da questão pesquisada. Brindemos a conexão do paciente com o terapeuta, do aluno com o professor, no discernir dessas imagens. Imagens tão ilusórias quanto a um filme que assistimos e nos projetamos em seus personagens.

Acredito, e ponho em prática, que a Psicopedagogia vem ao encontro da construção do ser como um ser completo a ser investigado e posicionado em seu ambiente. É fundamental o olhar sobre a criança e seu desenvolvimento, seja este na fase concreta ou já no alcance de um cognitivo mais elaborado. Estabelecemos bases de trabalho que contribuem para a interferência sistemática de apoio a criança em seu despertar. Muitas dessas ações tornam-se parte de uma pedagogia em sala de aula inserida em um contexto escolar de inclusão.

A criança precisa do adulto para se reconhecer em suas muitas e diversas fases de interação e percepção da sua realidade. A começar pela referência do objeto de afetividade para se tornar real e tátil à sua linguagem. Conseqüentemente, ao se comunicar e interagir desenvolve-se como ser lingüístico, e constrói signos inseridos em sua cultura, tendo como anteparo a família e a escola.

No campo da Psicopedagogia, portanto, se lida acima de tudo, com a construção de um ser feliz, apto, e inserido em seu meio. E quando há exceções começamos pelas "bordas", e vamos atrás do porquê de um processo de exclusão e rejeição. O déficit de aprendizagem é o primeiro sintoma desse diagnóstico de baixa auto-estima. Buscam-se as causas na raiz da família, e seu desenvolvimento pelo olhar dos pais e educadores. O papel do psicopedagogo é de um observador, é um "ser-estar" à distância que se desenvolve nesse olhar de inquisidor, que pesquisa e fundamenta esses "mediadores". É uma distância subjetiva que necessita de foco e disciplina.

Todo o processo tem começo, meio e fim, e necessita de um processo sistêmico de conduta, seja como um atendimento em consultório, seja como um processo de avaliação conjunta e institucional.

Concordo com Carl Rogers quando menciona que quanto mais o terapeuta se conhece, mais apto ele se encontra para ser ele mesmo e nessa simplicidade de se aceitar, ele também se posiciona mais confortavelmente para fazer com que seu paciente se permita ser ele mesmo e se aceita para vencer seus obstáculos de rejeição. É uma troca, é um estágio de perceber-se no outro; uma lateridade.

É um processo natural que todos nós de uma certa maneira buscamos: o encontro com a própria felicidade. Mas essa verdade é mutável, pois depende da busca do afeto individual. É aí, que entra fortemente ancorado o papel do psicopedagogo no despertar desses tantos "merecimentos" que o ser – a criança, o jovem, e o adulto – buscam no desejo de sobreviver a tantos anseios e devaneios de uma sociedade que ainda precisa aprender a cultivar seus valores e disseminar seus talentos.

Dentro do percurso da história do homem encontramos diversos autores que nos propõem uma convergência de ações e indagações. Dentro da linha de pesquisa da Psicopedagogia e da Psicologia escolar há similitudes de interpretações que constituem verdadeiras pontes de códigos consistentes e científicos. Há uma certa dicotomia entre objetividade e subjetividade, como diria Rogers cujo processo pessoal de indagação foi explicitado há mais de 40 anos e hoje volta com firmeza em seus conceitos para arraigar os valores do homem do século XXI. Piaget já nos posicionou com um processo que até se tornou inerente à aprendizagem que seria assimilação e acomodação, onde Vygotsky passa a somar colocando que o homem transforma a natureza e ao transformá–la encontra e reencontra a si mesmo em um processo alquímico.

A Psicopedagogia ensina a "olhar", facilita a percepção de interação da criança como uma ferramenta de inclusão. Diversos autores passam a decodificar o desenvolvimento em "momentos" pela sua ótica de pesquisa. Piaget e Inhelder nos posicionaram em "estádios", Freud em "fases" e assim conseguimos alcançar uma abrangência dessa diversidade por todos os outros autores da própria bibliografia em questão.

Justifico que essa diversidade nos amplia o campo de compreensão. Há uma completude nessa biografia de apoio. Posicionamo-nos como seres inclusos e seres em constante aprendizagem. Os obstáculos fazem jus à própria interpretação desse homem sobre o seu desenvolvimento. A mente humana é um fascínio em vários campos de estudo.

Alguns dos autores citados transcorrem sobre a psicologia do comportamento para compreender esses paradigmas, onde o homem é a sua própria vítima de conceitos e contradições. É incrível analisar que tantos desses autores citados levantaram questões há mais de um século, e o homem ainda com toda a sua tecnologia "high-tech" não se desvelou na sua totalidade. Poderíamos traçar pela Fenomenologia o roteiro desses autores citados que vivenciaram suas próprias indagações. O medo de reconhecer-se no outro como um espelho de falhas. O ser humano não é uma ilha, somos um "espaço de ilusão" que nos refletimos e nos enxergamos pelo olhar do outro. É mais fácil falar de computador, de sistemas de chips, do que ancorar a verdade de sua própria percepção. Enquanto o homem sonhar, haverá novas portas a serem abertas. A Psicopedagogia dispõe dessa permissão para que o sujeito aprenda a se autorizar.

Desde o final do séc. XIX, psiquiatras já estavam interessados nas produções plásticas de seus pacientes – colecionaram-na e estudaram-na. Alguns pedagogos inovadores também tomaram essa atitude, encorajando a expressão criativa nas crianças e praticando os métodos de pedagogia ativa. "Desenhar é empre expressão, projeção da corporeidade no espaço simbólico, representado, nesse caso, pela folha".7

PERCEBER AS INTERFACES

O trabalho plástico é muito importante, e direciono toda a minha pesquisa como projeto de vida pessoal, e complementando, gostaria de citar a importância da apropriação do corpo, enquanto reconhecimento e aceitação.

Nas diversas linguagens da arte nos pronunciamos inconscientemente a partir desse "corpo", e muito interessantemente B. David, 1980, p.16, explicita:"[...] Uma vez que o poder da matéria é, em si mesmo, uma apropriação do corpo, enquanto corpo eficaz, e esse constitui a base imaginária para o surgimento de um sujeito-autor ".8

O trabalho está sempre centrado na pesquisa do sujeito para encontrar e elaborar um universo de imagens significantes de seus conflitos subjetivos. Esse tipo de trabalho ajuda o sujeito a simbolizar em termos de conflito.

Um espaço importante de gestação do saber psicopedagógico é o trabalho de auto-análise das próprias dificuldades, possibilidades no aprender, pois a formação do psicopedagogo, assim como requer a transmissão de conhecimentos e teorias, também requer um espaço para a construção de um olhar e uma escuta psicopedagógicos a partir de uma análise de seu próprio aprender. 9

O momento da avaliação da atividade é consagrado especialmente ao diálogo, serve-nos observar a capacidade de tomar a palavra, assim com a atitude de escuta de cada participante frente ao grupo. A capacidade de se interessar por problemas gerais, de participar das discussões, de procurar argumentos, de aproveitar algo da experiência dos outros. Trocar, compartilhar, e perceber que sou especial naquilo que sei fazer, e aquilo que ainda não sei, posso me permitir aprender com o outro. Descobrir-se incluso.

A avaliação é sempre qualitativa e lança um olhar sobre o sujeito, com uma história particular, colocada em situação de prova. Uma execução correta supõe em cada nível a possessão e a disponibilidade dos recursos próprios da elaboração objetivante. A possessão e/ou disponibilidade podem estar interferidas por causas orgânicas e/ou pelo atrape (em diversas proporções) da inteligência pelo desejo inconsciente. Nesse caso, e essencialmente, os gestos gráficos nos remeterão ao estado de construção da corporeidade no espaço simbólico. 10

A maior parte dos afetos advém da própria dinâmica que se estabelece pelo vínculo criado entre os participantes do grupo em atendimento, ou dos roteiros subjetivos formados pelas inter-relações de uma sala de aula. Mas é importante ressaltar o impacto afetivo que também as intervenções de cada participante produzem no grupo e as reações de cada um frente às imagens de si que aquele lhe dá. O corpo também é o lugar que tamborila essa emotividade. A própria atividade plástica desperta uma riqueza das sensações sinestésicas e visuais. O trabalho com material amorfo, a dicotomia de uma postura simultaneamente ativa e contemplativa, nossos vestígios da memória, o esforço de criação imaginária, tudo contribui para esse fluxo da emoção.

É fato que a feição é um dos pontos que determina a própria escolha que fazemos pela condição de psicoterapeutas. A afeição pela condição humana e o interesse que manifestamos a fim de entender as nuances e detalhes da lama humana já determinam que a tenh amos como condição primeira e indispensável para o exercício profissional. Não se pode pensar na prática psicoterápica se não houver um sentimento de afeição do psicoterapeuta pelo paciente e vice-versa.11

Percebo a criatividade como que ligada à condição íntima, simbolicamente fonte de ansiedade e inibição. Portanto, é importante compreender os limites em que a arte se torna meio de comunicação, fluidor de sentimentos, e não apenas uma ferramenta alternativa.

O espaço ocupado pelo grupo é sagrado, pois aquele horário é somente dos pacientes ou dos próprios alunos. No início do convívio esse espaço torna–se àquele que dialoga no inconsciente afetivo gerando segurança de se estar familiarizando com o chão, as paredes, a mesa, a cadeira, os objetos, e com os outros sujeitos. A afetividade que se desloca simbolicamente para situar esse sujeito aprendente em um espaço inócuo, mas que começa a ganhar "vida" quando esse sujeito se percebe parte do todo, e não mais apenas individualizado.

O vínculo passa a ser traduzido como vínculo afetivo de respeito, de carinho, de consideração. É fundamental desde o primeiro momento, seja uma sala de aula ou uma sessão, construir o vínculo com todos os envolvidos no processo. O vínculo gera confiança. [...] "A aprendizagem implica o mandato do outro de reproduzir certo modelo e é construída em um vínculo". 12

A suspensão do trabalho

Decidir quando uma obra está acabada é uma questão importante e difícil de determinar para todo o artista. Segundo enfatiza Matisse, 1972, chega um momento em que se torna impossível fazer retoques no quadro, sem refazê-lo inteiramente. Todas essas situações geram uma linguagem metafórica de uma ligação com um vínculo terapêutico. Não é diferente para um psicopedagogo, psicólogo, ou qualquer terapeuta de linhas holísticas, quanto a definir o término de um tratamento que é como o término de uma obra artística, precisa perceber-se como uma obra completa. Como a criança, precisa ser capaz de caminhar, ser independente e completa. Já para o professor, subjetivamente falando, o término de seu trabalho coincide com o término do ano letivo. Porque muitos professores ainda permanecem com vínculo afetivo mesmo depois de concluído seu trabalho de sala de aula.

Precisa-se existir regras, de ambas as partes, para que esses "ritmos" sejam adequados. Assim como o planejamento do desenvolvimento das atividades e suas respectivas linguagens ao longo de um tempo pré-determinado desde a primeira aula ou sessão.

Notas

1 BICUDO In COELHO: 1999, op. cit. p.13.

2 FERNANDEZ:1991, op. cit. p.47.

3PICHON-RIVIÈRE: 2000, op. cit. p. 49, 53-54.

4 HEIDEGGER e BICUDO In BICUDO: 1999, op. cit. p.14

* Cito e incluo todos aqueles que estudam o comportamento humano.

5 MERLEAU-PONTY:1996, op. cit. p.16

6 DARTIGUES In CAMPOS, 2002, op.cit. p.41

7 FERNANDEZ: 1991, op. cit. p. 215.

8 DAVID In PAIN: 1996, op. cit. p. 16

9 FERNANDEZ:1991, op. cit. p.130.

10 FERNANDEZ:1991, op. cit. p.215

11 ANGERAMI-CAMON: 2002, op. cit. p.35.

12 FERNANDEZ:1991, op. cit. p.116

 

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